domingo, 30 de setembro de 2007

Diário de um patipócrita

21 de Setembro de 2007
Maldita memória que me atraiçoa! Sou um pato que risca e mede, arquitecto pois! E mando! É isso! Há horas que penso nisto: o que faço aqui sentado com números catastróficos à frente? Tento arranjar uma solução para diminuir o bando pois já não tenho sustento para todos. Da última vez despachei uns cinco e não me lembro do que lhes disse. Acho que os assustei com a cólera aviária. Posso fazer o mesmo! Finjo ser uma galinha com um ar apático, cacarejo, sento-me o dia todo em cima de um ovo e grito: põe-me essa varanda a estibordo!! Não percebes o que desenho! Tenho que vos fazer tudo. Será que custa tanto ser medíocre?".
22 de Setembro de 2007
Não percebo. Só uma pata acreditou que a melhor solução seria abandonar o bando. Bem, uma fêmea a menos implica sempre muito menos problemas. Mesmo assim não fui persuasivo o suficiente. A "pata de dois patos" que mais copula com patos deste bando grasnou qualquer coisa com sotaque que sinceramente não percebi. Depois chegou a pataputa, invocou razões de procriação e pediu para manter a pata no bando. Mesmo assim achei que não devia ceder mas o pato-cagão vem de leve lembrar-me das nossas primeiras migrações, enquanto ainda éramos jovens aventureiros, e levou-me às lágrimas. Depois de muita comiseração acabei por conseguir mandar embora uma pata, que nem sabia que pertencia ao bando e sinceramente não percebo como veio cá parar.
25 de Setembro de 2007
Não é que a “pata que nem sei como veio cá parar” achou que podia ficar conosco! Nem pensar! Isso implicava ter que expulsar outros e não posso. O que diria o “pato light” se lhe dissesse que escorracei o inconsciente e brincalhão “pato aprendiz”? E a minha querida “patolinda” ficaria de coração despedaçado se o fizesse ao “patinho d’algés”! Depois há o “pataçorda” que acasalou com a “pata que nem sei como veio cá parar” e isso seria terrível para o ninho deles! As patorras, embora voem muito baixinho e batam de vez em quando com o bico na copa das árvores, estão cá desde a formação do bando. O “patofodepatas” é herdeiro de um pato pelo qual tenho um enorme apreço e ainda garante a procriação do bando. O "pato saloio" está cá desde a formação e toca-me o coração. Bem… Se calhar fico por aqui.
28 de Setembro de 2007
Dei sustento para um mês à “pata que nem sei como veio cá parar” e mandei-a procurar bando. Espero que consiga arranjar antes que venha o Inverno senão alguém vai ter pato com laranja na consoada. Disse-lhe tantas barbaridades que a pobre saiu a voar desgovernada. Contar floreadas fábulas com um fundo pouco credível mas de aspecto verosímil foi algo que aprendi nas noites infindáveis que passei num convés apertado e escuro. Fui convincente e amanhã já não me lembro do que disse e fiz. Se não fosse este diário amanhã achava que a “pata que nem sei como veio cá parar” tinha abandonado o bando traiçoeiramente. E isso não podia perdoar.

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